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domingo, 4 de julho de 2010

PURA E SIMPLES



Eu poderia vir aqui
e olhando dentro da tua inusitada alma
dizer que você é mais bonita
do que o avental pintado à mão
que minha mãe colocava aos domingos,
quando se preparava para fazer o nosso almoço,
em frente ao fogão à lenha.
Foi minha primeira visão de suavidade!

Eu poderia vir aqui
e olhando dentro de tuas meiguices raras
dizer que você é mais bonita
do que a gravata borboleta azul marinho
que meu pai, orgulhoso de sua fé
e orgulhoso da fé que imaginou que eu tivesse,
enfeitou meu pescoço
quando fiz a primeira comunhão.
Foi minha primeira visão de santidade!

Eu poderia vir aqui
e olhando dentro de teus lugares ocultos
dizer que você é mais bonita
do que a doída canção “Santa Lucia”
que meu avô ouvia sua gente cantar nos casamentos
e chorava e soluçava e se lembrava da Itália
de onde tinha partido muito moço com o coração partido.
Foi minha primeira visão de saudade!

Eu poderia vir aqui
e olhando dentro de teus olhos rimados
dizer que você é mais bonita
do que o soneto de Vinícius de Moraes
com que minha primeira namorada,
equivocadamente apaixonada,
fez a dedicatória no livro que me deu de presente,
quando demos o nosso primeiro beijo.
Foi minha primeira visão de eternidade!

Mas escolhi dizer:
- Você é linda!
Puramente.

Oswaldo Antônio Begiato

ORAÇÃO A MIM MESMO



Que eu me permita olhar e escutar e sonhar mais. Falar menos. Chorar menos.

Ver nos olhos de quem me vê
a admiração que eles me têm
e não a inveja que prepotentemente penso que seja.
Escutar com meus ouvidos atentos
e minha boca estática,
as palavras que se fazem gestos
e os gestos que se fazem palavras

Permitir sempre
escutar aquilo que eu não tenho
me permitido escutar.

Saber realizar
os sonhos que nascem em mim
e por mim
e comigo morrem por eu não os saber sonhos.

Então, que eu possa viver
os sonhos possíveis
e os impossíveis;
aqueles que morrem
e ressuscitam
a cada novo fruto,
a cada nova flor,
a cada novo calor,
a cada nova geada,
a cada novo dia.

Que eu possa sonhar o ar,
sonhar o mar,
sonhar o amar,
sonhar o amalgamar.

Que eu me permita o silêncio das formas,
dos movimentos,
do impossível,
da imensidão de toda profundeza.

Que eu possa substituir minhas palavras
pelo toque,
pelo sentir,
pelo compreender,
pelo segredo das coisas mais raras,
pela oração mental
(aquela que a alma cria e
que só ela, alma, ouve
e só ela, alma, responde).

Que eu saiba dimensionar o calor,
experimentar a forma,
vislumbrar as curvas,
desenhar as retas,
e aprender o sabor da exuberância
que se mostra
nas pequenas manifestações
da vida.

Que eu saiba reproduzir na alma a imagem
que entra pelos meus olhos
fazendo-me parte suprema da natureza,
criando-me
e recriando-me a cada instante.

Que eu possa chorar menos de tristeza
e mais de contentamentos.
Que meu choro não seja em vão,
que em vão não sejam
minhas dúvidas.

Que eu saiba perder meus caminhos,
mas saiba recuperar meus destinos
com dignidade.
Que eu não tenha medo de nada,
principalmente de mim mesmo:
- Que eu não tenha medo de meus medos!

Que eu adormeça
toda vez que for derramar lágrimas inúteis,
e desperte com o coração cheio de esperanças.

Que eu faça de mim um homem sereno
dentro de minha própria turbulência,
sábio dentro de meus limites
pequenos e inexatos,
humilde diante de minhas grandezas
tolas e ingênuas
(que eu me mostre o quanto são pequenas
minhas grandezas
e o quanto é valiosa a minha pequenez).

Que eu me permita ser mãe,
ser pai,
e, se for preciso,
ser órfão.

Permita-me eu ensinar o pouco que sei
e aprender o muito que não sei,
traduzir o que os mestres ensinaram
e compreender a alegria
com que os simples traduzem suas experiências;
respeitar incondicionalmente
o ser;
o ser por si só,
por mais nada que possa ter além de sua essência,
auxiliar a solidão de quem chegou,
render-me ao motivo de quem partiu
e aceitar a saudade de quem ficou.

Que eu possa amar
e ser amado.
Que eu possa amar mesmo sem ser amado,
fazer gentilezas quando recebo carinhos;
fazer carinhos mesmo quando não recebo
gentilezas.

Que
eu jamais fique só,
mesmo quando
eu me queira só.

Amém.



Oswaldo Antônio Begiato

RONDEL A MEU AMOR


Eu te amo com a alma cheia de esplendores
Nos cantos mais obscuros do infinito;
Eu te amo com a intensidade das dores
Que me deixam inconsequente e aflito.

E dos sonhos que tive de amores
Tu és a que vens cumprir o escrito,
Como o orvalho rouba frescor das flores
E a eternidade tudo que é finito.

Como não sei fazer um verso bonito,
Para aliviar teus doidos temores
Apenas repito o que tenho dito:
Eu te amo com a alma cheia de esplendores
Nos cantos mais obscuros do infinito.

CONTRADANÇA



Te quero rubra
Te fazes branca
Te quero branca
Te fazes água
Te quero água
Te fazes jóia
Te quero jóia
Te fazes mulher

Te quero rosa
Te fazes nuvem
Te quero nuvem
Te fazes solo
Te quero solo
Te fazes vôo
Te quero vôo
Te fazes mulher

Te quero brisa
Te fazes vácuo
Te quero vácuo
Te fazes sopro
Te quero sopro
Te fazes vida
Te quero vida
Te fazes mulher

Te quero carne
Te fazes sonho
Te quero sonho
Te fazes pele
Te quero pele
Te fazes cheiro
Te quero cheiro
Te fazes mulher

Te quero rasa
Te fazes poço
Te quero poço
Te fazes seca
Te quero seca
Te fazes doce
Te quero doce
Te fazes mulher

Te quero terna
Te fazes vulcão
Te quero vulcão
Te fazes neve
Te quero neve
Te fazes fogo
Te quero fogo
Te fazes mulher

Te quero fênix
Te fazes cinza
Te quero cinza
Te fazes cheia
Te quero cheia
Te fazes colo
Te quero colo
Me fazes homem


Oswaldo Antônio Begiato

NOSSOS OSSOS


Quando me avisto
- ocluso e escuro -
polindo impávido
tua prata e teu ouro
fico a pensar se a espécie
de porcelana fina
com que me modelaram
não foi a feita com a cinza
de meus ossos
que o tempo exumou.

Quando me desespero
- recluso e confuso -
apalpando pávido
minhas vias e minhas veias
descubro a espécie de amor
com que me forjaste:
- Aquele, cheio de afetos,
feito com a lágrima
que te lavou e me levou
a morrer de saudades
quando morreste tu
de amor por mim.

Partiste tão sem demora
que nem pude eu fazer
das cinzas de teus ossos
a porcelana única e alva
para fundir-te altar
onde eu queria ver
entronizado meu amor por ti
- meu imorredouro amor por ti -
no supremo sacrário
de nossas rendições.

Oswaldo Antônio Begiato

BEIJO


Tenho
meu espaço
e meu tempo.

Não me busque
no sol
se estou no chão.
Não me busque
no chão
se estou nos sonhos.

Não chegue
adiantado.
Não chegue
atrasado.

Adiantado,
ainda não sou;
atrasado,
já fui.

Beije-me
sempre.
Assim
permito-me
ser matéria e espírito,
infinito e eternidade.


Oswaldo Antônio Begiato

CONCLUSIVA


não tenho saudades
de quase nada
a não ser
do tempo em que,
embriagado de pólen,
fui flor,
fluí flor;
flor incurável
que durou uma juventude
inacabada

eu tinha cor
eu tinha cheiro
eu tinha luz

eu tinha um tinteiro
escarlate
onde mergulhava
meu caule rígido
encharcando-o de sangue
espesso e grave
para escrever poesias
que hoje estão gravadas
nas paredes dos jardins
que já não existem mais

tudo se consumiu
entre o tempo que não passou
e a alegria que nunca
pude provar
com meus lábios roxos
e minha face pálida

porque foi com lesões
deformações
e murcha mentos
que a vida escreveu minha história
no meu próprio corpo

hoje estou um baú
que carrega dentro de si
apenas o sentimento do vazio
e todo o meu resto incomunicável

Oswaldo Antônio Begiato

FINIDADE


Eu queria te fazer carícias no rosto
Com minhas mãos encobertas
Pelo pó, nela pousado
Durante meu caminhar
De homem solitário e inconformado,
Esperando por um único beijo,
Negado desde o meu nascer:
- O beijo da mulher amada.

Sei que a vida inteira me quis este
Como teu infeliz e só teu eunuco.
Mas devo dizer com todas as letras
Que foram legadas às minhas mãos
Empoeiradas:
- Sou livre e potente.

Nasci para voar dentro dos sonhos
E acreditar que um dia terei esse beijo
Da mulher que meu coração escolher,
Mesmo sabendo-o impossível
Porque nasci sem lábios,
E vou morrer sem lábios.

Um beijo,
Nem que fosse um beijo ligeiro
Feito a prece incônscia do louva-a-deus.
Um beijo,
Nem que fosse um beijo frio
Feito o gotejar acetinado do orvalho.

Mas partiste levando contigo
O desencanto que eu não inventei,
E o sonho que ousei sonhar:
- Um beijo da mulher amada.

Comigo deixaste apenas
Uma espantosa certeza:
Maior que a tristeza de saber
Que nunca me amaste
Foi à alegria de descobrir
Que nunca te amei.

Oswaldo Antônio Begiato

CONFISSÃO INSENSATA



Deixa-me fazer teu lado esquerdo
E deixar-te-ei me fazer o lado direito.
Deixa-me beijar teus lábios superiores
Com meus lábios inferiores
E assim beijarei com minha língua suja
A tua alma inocente.

Deixa-me fazer o teu destino certo
E deixar-te-ei me fazer o destino torto.
Deixa-me tocar tua pele transparente
Com minha pele maculada
E assim tocarei com meu inferno frio
O céu que Deus fez pra ti.

Deixa-me aceitar o teu perdão
E deixar-te-ei essa confissão insensata:
Eu te amo, meu incruento e sadio amor;
Não pelos pecados que me perdoas sempre
Mas pelos pecados que sempre me permites
Toda vez que eu te amo insensatamente.

Oswaldo Antônio Begiato